Um Elétrico de muitas histórias
- Madalena Costa
- 21 de jun. de 2019
- 7 min de leitura
O Elétrico de Sintra é, com 113 anos de história, um dos principais símbolos turísticos do município. Numa viagem de cerca de 45 minutos conduz os seus passageiros até à Praia das Maçãs num percurso que permite conhecer e admirar as paisagens naturais que Sintra pode oferecer.
“A inauguração do Elétrico foi em 1904”, conta o coordenador do elétrico de Sintra, João Pinto. No entanto, a ideia de ligar Sintra a Colares e, mais tarde, à Praia das Maçãs tinha surgido, primeiramente, em 1886. A 31 de Março de 1904 foi aberto o primeiro caminho desta linha, entre Sintra e São Sebastião de Colares. Um ano depois, alargou-se o caminho até à Praia das Maçãs, tendo uma extensão total de 3.785.00 metros.

“Nós devemos vê-lo como um museu vivo que está em circulação, que está operacional, apenas para fins turísticos, como é lógico”, explica João Pinto. O Elétrico, desde há muito, que move e junta verdadeiros avalanches de pessoas. Antigamente, não havia elétricos suficientes para dar resposta ao grande número de pessoas que procuravam fazer o caminho até à Praia das Maçãs. Hoje em dia são grandes os grupos de passageiros que se deslocam a Sintra apenas para andar de elétrico. “Para esta época do ano é perfeito porque o tempo está bom e estamos na natureza, porque o percurso do elétrico é feito por espaços naturais. É a minha segunda vez em Sintra e eu ainda não vi nenhum palácio. Venho aqui de propósito só para ver a natureza”, afirma entusiasticamente uma turista, em Sintra. “Isto acontece-nos, sucede-nos ao longo do ano, várias vezes, vêm pessoas do estrangeiro, prepositadamente para andar de elétrico. Nós recebemos grupos de entusiastas dos caminhos de ferro de outros paises que vêm única e exclusivamente para andarem de elétrico”, refere João Pinto.
Contudo, o Elétrico não assistiu sempre a tempos de glória. Em 1953, só se utilizava o elétrico nos meses de verão. Dois anos depois, o percurso até à Praia das Maçãs e Azenhas do Mar terminou. O ano de 1967 datou o cúmulo desta maré de azar, uma vez que a Companhia Sintra-Altântico (antiga Companhia do Caminho de Ferro de Cintra à Praia das Maçãs) passou a ser dirigida pelo grupo Eduardo Jorge. Esta nova admnistração reduziu o investimento do Elétrico de Sintra ao mínimo, tornando-se a degradação visível.
A 15 de Maio de 1980 é reiniciado o percurso do Elétrico, feito apenas entre Banzão e Praia das Maçãs. No ano do seu centenário, em 2004, é inaugurado o caminho entre a Estefânia e a Praia das Maçãs. Apesar disso, os problemas pareciam não ter fim quando se deu uma situação de roubo dos cabos de cobre. “Roubaram o cobre numa altura em que houve um incidente com a própria rede aérea, onde se deu a queda de uma árvore que danificou a rede aérea e, por esse motivo, estava sem corrente elétrica. Quem o fez aproveitou essa altura para roubar cerca de mil metros de cobre, que tendo o valor que tem no mercado é um preço signficativo. Foi um roubo com significado.”, explica o coordenador. A circulação esteve encerrada até ao dia 2 de Agosto de 2012.
Ao longo do anos, tem-se verificado uma certa variação da utilização do Elétrico de Sintra, na medida em que “trabalhou durante muito tempo de sexta a domingo, o ano passado começou a trabalhar de quarta a domingo e este ano está a trabalhar todos os dias da semana”. Adaptando-se, assim, à oferta que se tornou recorrente. As estatísticas revelam que “durante a semana são fundamentalmente os estrangeiros que viajam que é quem visita Sintra. Ao fim de semana a maior parte dos passageiros são nacionais”, como indica o coordenador.
Nélson Moreira, condutor do elétrico há cerca de 10 meses, garante não ser um trabalho nada fácil: “É um trabalho que exige algum esforço. Não é fácil porque é tudo manual, não tem qualquer tipo de trabalho mecânico através do elétrico”, conta Nélson. Na história do Elétrico, os guarda-freios tiveram destaque aquando da realização da 1º Acção de formação para a condução dos carros elétricos de Sintra, em 2008. Em 2010, deu-se a 2º Ação de formação.

Os turistas são, realmente, quem faz do Elétrico aquilo que ele é. Dirigem-se à Vila Alda, onde está à Casa do Elétrico, em Sintra, para comprarem os bilhetes da viagem. Antes de chegar à paragem, o Elétrico já se faz ouvir. Faz a curva e chega à recta final da sua viagem. Os sorrisos tomam conta dos turistas, por esta altura. Chegado o Elétrico, à Praceta Dr.Arnaldo Sampaio, os passageiros vão ocupando os seus lugares nos bancos de madeira. Com cerca de cinco fileiras de bancos de madeira, rapidamente, o Elétrico enche. Os dois guarda-freios presentes fazem descer uma espécie de uma grande barra de madeira que, percorrendo o elétrico todo na horizontal, serve de proteção para os passageiros, uma vez que, o Elétrico tem umas largas aberturas na parte lateral. Começa o verdadeiro percurso, a Praia das Maçãs é o destino. Entre conversas paralelas, são muitas as línguas faladas: desde o alemão, ao inglês, passando pelo francês, o brilho nos olhos dos passageiros só tem motivos para crescer. O percurso promete uma passagem pelos espaços naturais com as vistas mais fantásticas que Sintra pode oferecer a qualquer um. Com os pequenos apitos que sinaliza a chegada do Elétrico em cruzamentos partilhados com viaturas, ninguém lhe fica indiferente. São muitas as apitadelas que se fazem ouvir entre carros particulares e o Elétrico, ou mesmo, entre os condutores dos autocarros e os guarda-freios, colegas de profissão. Um percurso que aproxima as pessoas, sobretudo, aquando da parte do trajecto em que parece que o Elétrico atravessa o quintal dos sintrenses, assistindo ao trabalho ligado à agricultura que cada morador faz. Ao ver as paisagens e sentindo a brisa na cara, tudo melhora quando a vista passa a ser a imensidão do azul na linha do horizonte e o cheiro a mar começa a pairar no ar. Quarenta e cinco minutos se passaram e o Elétrico chega à Praia das Maçãs, os turistas dispersam. Rapidamente, aparece um novo grupo vindo da praia, que apanha o Elétrico para regressar a Sintra.
“O Elétrico é um símbolo de Sintra porque é um meio de transporte que todas as pessoas sempre gostaram”, conta José Carlos Serrano, residente em Sintra há cerca de 52 anos, relembra os momentos que passou, ao longo dos anos, usando o Elétrico. Antigamente, o Elétrico era o meio de transporte que rapidamente todos associavam quando queriam fazer o trajecto até à Praia das Maçãs: “desde sempre, faz parte do meu imaginário, ser miúdo e ir com os meus pais até às Maçãs”. Sendo o Elétrico algo centenário, acompanhou toda a infância de José Carlos Serrano, que se recorda de ser mais novo e ver as inúmeras linhas de carris no chão: “O Elétrico, antigamente, partia da Vila de Sintra ao pé da Igreja de S.Martinho e fazia o percurso desde a igreja, atrevessava a vila, passava na Estação de Sintra, passava o sitio onde ele está a partir agora e ía até às Azenhas do Mar. A única coisa que eu vi e, tenho 52 anos, são os carris no chão, quando o alcatrão se estragava depois via-se os carris e eu dizia «olha o elétrico vai até as azenhas»”.
O Elétrico é, sobretudo, algo muito cativante para a população em geral. A proximidade com as pessoas torna-se grande numa “zona ali, em Galamares, onde o Elétrico passa que parece que estamos a passar por dentro do quintal das pessoas. As pessoas têm a horta do lado direito e vivem do lado esquerdo”, refere José Carlos Serrano. As histórias que foram surgindo, ao longo dos anos, em torno do Elétrico são muitas: como recorda José Carlos Serrano, de quando era criança e fazia o trajecto Praia das Maçãs a Sintra “atravessava-se uma zona de pomares e como o Elétrico diminuia a velocidade, os adultos saíam, iam a correr apanhar uvas e maçãs e depois voltavam a entrar mais à frente. Portanto o Elétrico fazia parte do imaginário de muitas pessoas”; Também são recordadas conversas humorísticas entre os adultos, mais uma vez recordadas por José Carlos Serrano: “havia pessoas que diziam que apanhavam o Elétrico em Sintra, tinham almoçado uma dobrada e, depois, com os solavancos que o Elétrico dava ,quando chegassem à Praia das Maçãs, já tinham a digestão feita. Portanto, isto é uma brincadeira que os adultos faziam na altura e eu nunca mais me esqueço”.
De geração em geração, o Elétrico de Sintra sempre fez parte das diferentes fases da vida das pessoas. “Pessoas com mais idade que se recordam de quando os pais deles os levavam, assim como, eu já fiz com os meus filhos”, conta José Carlos Serrano.
No entanto, ainda há aspectos a melhorar. “Eu penso que a principal alteração a ser ponderada seria sempre o alargamento da linha do elétrico até à Vila de Sintra. Se de alguma forma fosse possível reestabelecer essas relações nomeadamente da Praia das Maçãs até à ao Centro da Vila de Sintra, ao Centro Histórico, eu não tenho dúvidas que o acréscimo de passageiros do elétrico seria exponencial”, explica o João Pinto. Por outro lado, José Carlos Serrano considera necessário mudar-se o sítio da partida do Elétrico- “É uma pena o Elétrico estar a partir daquele sítio e não estar, por exemplo, a partir da Estação de Sintra”- uma vez que, segundo José Carlos, a Estação de Sintra é o local onde estão constantemente a chegar passageiros. Na opinião deste sintrense, o Elétrico perde por estar a partir do “Largo com o Jardim”, como José Carlos lhe chama, e não estar a partir de um local mais referencial para, principalmente, os turistas: “mas está condicionado pelo sítio onde parte, porque não são todos os estrangeiros que chegam e sabem onde está aquela partida, porque se ele estivesse ali na estação de sintra era muito bom para o turismo”.
“O Elétrico não pode ser visto como um recurso económico que traga vantagens económicas diretas para o municipio. Ele deverá ser visto sempre na forma como faz movimentar quer pessoas quer o capital, dentro do espaço para onde ele passa, portanto abrangido pelo proprio”, afirma o coordenador, João Pinto. O Elétrico movimenta pessoas há muitos anos até à Praia das Maçãs, num trajeto excelente para qualquer um que adore natureza e que se entregue aos presentes maravilhosos que Sintra pode oferecer.
“O Elétrico faz parte de Sintra, como temos os museus, temos o Elétrico”, afirma José Carlos Serrano com um brilho nos olhos. O Elétrico é de sempre e será para sempre, passando de geração em geração, um símbolo turístico de Sintra e dos Sintrenses.
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